Nota sobre a matéria "Produção de tecnologia evita a “fuga de cérebros" da SBPC

Em relação à matéria "Produção de tecnologia evita a “fuga de cérebros”, publicada no Jornal da SBPC (ANO XXX - No 772 - SÃO PAULO, DEZ 2016 - JAN 2017 - ISSN 1414-655X), disponível em: http://jcnoticias.jornaldaciencia.org.br/wp-content/uploads/2016/12/JC_772.pdf, entendemos que cabe o esclarecimento que se segue.

Segundo a entrevista cedida, por email, por Haydee Svab, integrante do grupo, para a SPBC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), entendemos que onde está escrito "Para ela, a principal delas é que a cultura empresarial ainda vê a pesquisa como um investimento." deveria constar o seguinte texto: "Para ela, a principal delas é que a cultura empresarial ainda NÃO vê a pesquisa como um investimento."

Confira abaixo a entrevista na íntegra:


1) Como as iniciativas de pesquisa e desenvolvimento de software livre propostas (ou fomentadas) por universidades podem auxiliar na produção de novas tecnologias?

É importante retomar os conceitos básicos que sustentam e fundamentam o software livre: software livre (SL) é aquele que permite aos(às) usuários(as) executar, copiar, distribuir, estudar, modificar e melhorar. Desta forma, um software pode nascer da ideia de apenas uma pessoa, mas um software livre se calca no fundamento da criação e evolução compartilhada. Com o nascimento do SL e, posteriormente, com o advento do copyleft, a estrutura (política e jurídica) da propriedade intelectual tal como está fundamentada hoje foi colocada em xeque e cada vez mais percebe-se que aprisionar conhecimento pode ser lucrativo (hoje), mas é uma barreira à inovação, à criatividade e à sociedade.

Nesse contexto, a universidade é o locus natural da criatividade, onde pessoas de diferentes formações podem se encontrar e é também um lugar menos comprometido com resultados imediatos. Então, pesquisas de longo prazo, tanto do ponto de vista de sua execução como do ponto de vista de visão de futuro, conseguem nascer e crescer no seio universitário - não à toa que diversas iniciativas de SL nasceram ou estão ligadas às universidades.

Como um primeiro exemplo de tecnologia desenvolvida no meio acadêmico e que está se tornando destaque neste momento de crescente interesse e demanda por técnicas e ferramentas de análise de dados, temos a linguagem de programação R, desenvolvida inicialmente por Robert Gentleman and Ross Ihaka do Departamento de Estatística da Universidade de Auckland. Além disso, diversas universidades possuem portais de divulgação de seus projetos de Código Aberto e/ou Livre, como por exemplo as Universidades de Dallas, Oregon, Portland, Stanford e Columbia. Com projetos que vão desde os mais técnicos, como o The Protein Geometry Database (PGD), quanto outros com mais abrangentes, como o Project 10-9 / Open VoiceBridge. Um exemplo de parceria, que considero bem sucedida, entre universidades e empresas é o programa Google Summer Of Code (GSOC), que oferece bolsas a estudantes universitários para que estes contribuam com o desenvolvimento de softwares livres.

Observa-se que existem potencialidades na academia, na iniciativa privada e no setor público quando da produção e adoção de SL, que podem inclusive ser proxys de inovações tecnológicas.

Na academia, há basicamente duas linhas de atuação: (i) promover formação de estudantes e pesquisadores(as) fazendo contribuições com projetos reais, o que é um jogo de ganha-ganha trazendo responsabilidade e reflexão no próprio processo de ensino, já que não se trata apenas de "exercícios intelectuais inconsequentes"; e (ii) fomentar pesquisa de ponta, com benefícios para todos setores da sociedade, uma vez que a universidade deixa de ser um ator social que adiciona barreiras econômicas excludentes, em especial àqueles grupos sociais já desfavorecidos e mais vulneráveis.

A iniciativa privada também se beneficia da produção acadêmica de SL, sem necessariamente remunerá-la, mas também sem a possibilidade de aprisionar o conhecimento para si. Neste caso, é possível e frequente o nascimento de parcerias entre empresas e universidade para produção de SL e inovação, de forma que se gere um retorno social quando da cooperação da expertise do meio acadêmico com os investimentos adicionais de empresas.

Por fim, o SL no setor público traz benefícios financeiros e políticos. Financeiros porque consegue-se obter soluções de excelência com custos menores - e não me refiro aqui apenas a pagamento de licenças, mas também da existência de mão de obra competente e especializada, estratégica de se manter no Brasil, para evitar tanto fuga de dólares quanto de cérebros. E políticos, não só porque a indústria de TI é estratégica, mas também porque tecnologias de participação política só terão sucesso mediante o uso de SL; e nisso estagnamos. Explico. Tecnologias podem auxiliar a superarmos a crise da representação (não resolvê-la) pela qual passamos. Para isso, precisam ser escrutináveis, ser passíveis de controle social. As contas públicas (todas) precisam ser transparentes e acessíveis - todos concordarão, assim como as votações dos(as) nossos(as) representantes. Porém, pouco nos atentamos para o programa que registra os votos dos(as) parlamentares, para o código da urna eletrônica, para o software da receita federal, etc. - estes também precisam auditáveis.

Vivenciamos uma fase em que é preciso restaurar confianças nos governos, nas empresas e nos processos, e nós poderíamos começar pela transparência nos códigos e mudança de paradigma de trabalho: cooperação ao invés de competição.

 

2) E essas propostas auxiliam na relação entre empresas e pesquisadores? Se sim, de que forma?

O principal aspecto que media a relação entre pesquisadores e empresas é o financiamento. As empresas, que precisam fechar caixas positivos ano a ano e bater metas de lucro, ainda encontram dificuldade em investir em pesquisa e desenvolvimento, especialmente no Brasil, ainda mais se forem de porte pequeno ou médio. Essas dificuldades são tanto do ponto de vista pragmático, por não conseguir reservar recursos específicos para investimento em P&D, quanto do estratégico, ao não reconhecer P&D como investimento e sim como despesa. Superadas essas barreiras, isto é, uma empresa tendo disponibilidade de capital e disposição em investir - por quê fazê-lo em SL, em parceria com universidades? A resposta mais simples e óbvia, ao meu ver, é que esta é a forma mais racional de alocação desse recurso. As universidades já contam com uma boa e imperfeita seleção de pesquisadores(as) de excelência, apresentam ambientes mais criativos e com reunião de pessoas com grande diversidade de conhecimentos. No ecossistema de SL o que é produzido vai para o mundo e, invariavelmente, passa pela avaliação de pares. Além disso, o produto final pode ficar sob melhoria contínua. Todos esses aspectos levam a resultados técnicos melhores do que os que seriam atingidos numa empresa tradicional contratada para desenvolver um software proprietário. Alguns se perguntarão: "mas e o lucro da empresa com o produto, fica garantido?". Temos aqui dois casos distintos a serem analisados. Aquele no qual o software é o produto final da empresa e aquele no qual o software é apenas um meio para o serviço/produto desenvolvido pela empresa. No primeiro caso entramos em outra discussão que é como viabilizar um modelo de negócio baseado em SL. Apenas esse tópico daria uma conversa/entrevista específica, mas, sinteticamente, para trabalhar com SL o modelo de negócio do(a) empreendedor(a) deve se focar na oferta do serviço, na melhor solução, na personalização para o cliente, e não na venda de produto. Essa mudança de visão vem se tornando tendência em vários segmentos da TI e parece ser inevitável - até a Microsoft acordou e está aderindo ao SL. No segundo caso, quando o software é apenas um meio, a empresa já não aufere lucros diretos do software, e se houver uma comunidade que participa do seu desenvolvimento e este desenvolvimento é contínuo, a empresa continua a ter um software atualizado ao longo do tempo que tende a melhorar a qualidade e eficiência de seus processos internos e desenvolvimento de suas atividades - que tendem a aumentar sua lucratividade.

Na produção e desenvolvimento de SL é comum contar com repositórios públicos que auxiliam no workflow. Esses repositórios também acabam sendo uma vitrine tanto da universidade quanto do trabalho de quem contribui com o projeto, sejam essas pessoas funcionários(as) de empresas ou pesquisadores(as) de universidades. Aí, o tom da relação passa a ser dado muito mais a partir do que alguém fez, e menos a partir de onde alguém é. Pode parecer bobagem, mas quebrar um pouco as barreiras comunicativas trazidas com os muros das universidades e com os controles de acesso das empresas torna o ambiente mais profícuo e propício à criatividade.

 

3) Qual a sua opinião sobre o desenvolvimento de tecnologia "sob demanda" através de parcerias empresas e universidades?

Parcerias entre empresas e universidades podem ser muito positivas no desenvolvimento de tecnologia. O importante é que esse "sob demanda" seja claro, explícito e sob quais termos se dá. É fundamental, sobretudo, que não haja conflito de interesses gerado por esse tipo de parceria. Esta questão ética não é menor e precisa ser considerada com muito cuidado.

Exemplo evidente pode ser observado no âmbito da indústria farmacêutica como parceira e financiadora de pesquisas cujos resultados podem ter sua isenção questionada, pois caso apontassem para evidências que poderiam manchar a reputação ou dar prejuízos à empresa, pairará sempre a dúvida se foram descartadas. Talvez com software isso seja menos evidente, mas nem por isso é menos importante ou necessário. As TICs estão cada vez mais integradas com outras tecnologias - se hoje internet das coisas e wearable technology são inovação, amanhã serão cotidiano.

Um experimento social do Facebook, uma rede social de "acesso gratuito" para o(a) usuário(a), teve suas premissas éticas bastante questionadas. As aspas do gratuito é porque, embora não se pague dinheiro para acessar a plataforma, cada pessoa a mais é um consumidor a mais, cujos dados pessoais podem ser utilizados (não se sabe como é feito) para fazer propaganda direcionada. O seu algoritmo do feed de notícias foi o grande tubo de ensaio (de código fechado) de um estudo publicado em 2014 envolvendo mais de 680mil pessoas sobre contágio emocional em grande escala. A questão da privacidade dos dados pessoais caminham junto das TICs, colada, e vem sendo negligenciada. Se nossos códigos de ética não dão mais conta do mundo atual, precisamos de um debate público consistente sobre eles - ignorar ou burlar não podem ser atitudes aceitáveis.

Enfim, o desenvolvimento científico não é neutro e acho que essas parcerias podem ser muito proveitosas, desde que os parceiros (i) sejam transparentes nas suas intenções, (ii) tenham coragem de dizer não a parecerias que configurem conflitos de interesses e (iii) não prescindam dos princípios éticos.

 

4) Como surgiram as Hackathons no Brasil?

Hackathon (hackatona, hackathão, hack day, hackfest ou codefest) é uma maratona de programação, daí a junção das palavras inglesas Hack e Marathon. Nela, vários hackers se reúnem para desvendar dados, sistemas lógicos e desenvolver algo com isso. Esse algo geralmente são projetos de software, mas há coisas brilhantes ligadas a hardware saindo de hackathons. A duração pode variar de algumas horas a semanas, a depender do gosto dos proponentes e/ou patrocinadores.

Os primeiros Hackathons de que se encontra registro ocorreram nos EUA, em 1999: um promovido por desenvolvedores de OpenBSD e outro que ocorreu durante uma conferência da Sun.

No Brasil, os primeiros os hackathons são agora dos anos 2010 em diante. Salvo engano, o primeiro foi o Hackathon da Câmara Municipal de São Paulo ocorrido em mai/2012, um pouco antes do Hackathon promovido pelo Facebook, em junho do mesmo ano, também em São Paulo. O primeiro, promovido pelo poder público era aberto a inscrições para qualquer cidadã(o) e o segundo, promovido por uma multinacional, focava em 150 estudantes de engenharia de universidades de elite (USP, UNICAMP e ITA).

Estes dois eventos são bastante ilustrativos dos dois tipos de hackathons que eu identifico. Um que é promovido pelo poder público e que muitas vezes é fruto de pressões políticas de movimentos sociais de open data e open gov e cujo principal objetivo é procurar soluções cívicas para problemas sociais, passíveis ou não de serem internalizadas pelos governos, com recorte temático ou não, a depender que quem esta promovendo o evento. Outro tipo, que não foi o pioneiro mas parece ser o que mais tem crescido, é o promovido pelas empresas com intuito de acelerar a inovação dentro das empresas - à vezes esses eventos são fechados apenas para funcionários, às vezes tem foco em estudantes universitários e, outra vezes, são abertos ao público em geral.

 

5) Qual a importância das Hackathons para o desenvolvimento de tecnologias? E para a relação entre empresas e pesquisadores?

Como disse anteriormente, os Hackathons podem contar com diferentes sponsors, objetivos e públicos-alvo. Os últimos cinco anos em que esse tipo de atividade tem se intensificado pelo Brasil têm mostrado que há alguns denominadores comuns: uma grande imersão em um período contínuo e curto de tempo e o estímulo pelo desafio (e premiações que podem variar, sendo as mais comuns prêmio em dinheiro, viagem e mentoria para o projeto).

Uma característica que não era tão comum no início, mas vem se tornando mais frequente é tentar promover diversidade no evento e nas equipes. Por exemplo, em 2014, na Hackathon das Organizações da Sociedade Civil (OSC), promovida pela Secretaria-Geral da Presidência da República, houve a preocupação de incentivar equipes com expertises diversas (desenvolvedor, designer, jornalista, especialista em OSC). No mesmo ano, no Hackathon de Gênero e Cidadania promovido pelo Laboratório Hacker da Câmara dos Deputados havia uma regra para inscrição de times, segundo a qual era necessário haver pelo menos uma mulher no grupo. Dessa forma, as organizações desse tipo de maratona foram percebendo que dá mais resultado e é mais enriquecedor para os(as) participantes quando há mais diversidade.

Como é uma imersão - as equipes se entregam (com tempo e energia) para uma tarefa; e as pessoas estão ali motivadas, se houver diversidade no ambiente, acho que hackathons tem muito potencial de inovação tecnológica. Porém, vale ressaltar que não é a panaceia nem para empresas, nem para academia. E é aqui que vejo onde reside o maior desafio dos Hackathons (desde o início e que ainda perdura): o que fazer com tanta ideia gerada nesse curto espaço de tempo? Como desenvolver as que precisam de mais tempo? Como absorver aquelas mais promissoras? Quem mantém o trabalho perene e necessário depois da maratona? A analogia continua válida, com maratonas e maratonistas, estes não se fazem naquelas, mas sim precisam de um trabalho cotidiano de treinos para, num dia especial, dar tudo de si.

Então, para os(as) participantes, acho que o maior ganho dos Hackathons talvez não seja o desenvolvimento das soluções em si, mas sim a experiência de co-criar, de desenvolver uma ideia como um produto mínimo viável, de prototipar algo mesmo que seja para descartar depois, de aprender com o erro e que errar faz parte do desenvolvimento, de ter contato com diferenças e transformá-las em complementaridades.

Já para quem promove os eventos, o desafio de como aproveitar e pinçar o que pode interessar da profusão de ideias e protótipos fica posto. Algumas empresas tem resolvido isso incentivando ou colocando como condição para premiação a utilização de algum produto da empresa que ela quer que sofra melhorias. Outras, têm começado a fazer hackathons periodicamente, intercalando entre internos, quando funcionários(as) de diversos setores têm a oportunidade de trabalhar juntos(as), e externos, quando é possível ter contato com inputs de outros profissionais e até potenciais consumidores. Independente da estratégia adotada, é imprescindível que haja um setor de P&D nas empresas que tenha um plano de ataque de como captar essas ideias, como manter contato com as equipes de desenvolvimento, e como sustentar o desenvolvimento a posteriori. Isso tudo dando o devido valor aos participantes do evento, não os tratando como mera "mão de obra barata".

 

6) Além dos grupos de estudos e dos Hackathons, de que outras formas pesquisadores podem criar e disponibilizar tecnologia de acordo com demandas de terceiros?

O desenvolvimento de tecnologias que atendam a demandas da sociedade não se restringe apenas ao mundo dos softwares e aplicativos.

A título de exemplo, o desenvolvimento de medicamentos e vacinas por instituições públicas que permitam sua livre produção facilita o acesso da população a estes tratamentos. Na Escola Politécnica da USP temos o Escritório Piloto, um espaço gerido por estudantes que visa ser um espaço de troca entre a universidade e a sociedade, por meio do qual os estudantes aprendem com o conhecimento prático da sociedade e também podem levar e aplicar os conhecimentos aprendidos na sala de aula resolvendo problemas e demandas reais da sociedade, em especial aquela parcela com menos recursos. Projetos como o Escritório Piloto se enquadram, na universidade, na categoria de atividades de Extensão Universitária.

Outra ação possível para difusão de tecnologia, é por meio do oferecimento de cursos, oficinas e atividades de formação se realizadas de forma acessível (sem o pagamento de mensalidades astronômicas, por exemplo).

A recente onda de MOOCs (Massive Online Open Courses) se apresenta como um case real de como compartilhar conhecimento, fomentando desenvolvimento, a baixo custo.

Por fim, também existem os projetos de Iniciação Científica e das próprias disciplinas práticas, em que se pode priorizar o desenvolvimento de técnicas e tecnologias que sejam demandas reais da sociedade, ao invés de se focar em exemplos repetitivos de problemas já resolvidos e/ou sem aplicabilidade prática.

 

7) Como surgiu a iniciativa do PoliGNU? Como funciona?

O PoliGNU (Grupo de Estudos de Software Livre da Poli-USP) surgiu em 2009 como um projeto de extensão dentro Escritório Piloto da Escola Politécnica, depois de dois anos de maturação de um grupo de estudantes que iniciaram as discussões sobre Software Livre na Escola Politécnica. O grupo nasceu com a proposta de ser um espaço para discussão e disseminação das culturas envoltas na temática do software livre. O trabalho de disseminação era realizado por meio de oficinas, palestras, bate-papos, cursos e também oferecendo algum tipo de suporte, em especial ao Escritório Piloto e grupos de extensão universitária. Sua organização e funcionamento se dão de forma horizontal e democrática, na qual as ideias e propostas que se alinham com os objetivos do grupo são sempre incentivadas, e seus proponentes são incentivados e apoiados para colocar tais ideias em prática.

 

8) Quais são os principais projetos em desenvolvimento da PoliGNU?

Ao longo de sua história, o PoliGNU contou com diversos projetos e atividades, dos mais pontuais aos de maior prazo.

Os pontuais foram bate-papos sobre software livre e oficinas que ensinavam a lidar com algum SL, geralmente por conta de alguma demanda, como foram as oficinas de expressões regulares, GIMP, Inkscape, OpenStreetMaps, entre outras.

Outra iniciativa de destaque do grupo foi a séria de cursos de LaTeX, realizados durante mais de 3 anos e que contaram com mais de 250 alunos(as) - desde estudantes de graduação até docentes da universidade. Em relação ao LaTeX, hoje o grupo visa desenvolver um curso on-line, no modelo MOOC, para atingir um público maior e mais amplo.

Como projeto de folego, temos também o Radar Parlamentar, projeto de análise de dados legislativos que utiliza dados abertos e ferramentas matemáticas para entender o comportamento de partidos políticos e parlamentares. Este projeto já ganhou diversos prêmios, continua em desenvolvimento e conta com parceria com outras instituições, com o CCSL (Centro de Competência em Software Livre da USP) e o LAPPIS-UNB (Laboratório Avançado de Produção Pesquisa e Inovação em Software da Universidade de Brasília). Em relação ao Radar, atualmente o grupo se foca em documentar melhor o projeto, além de renovar e ampliar parcerias com grupos nas universidades.

Por fim, podemos destacar a realização de debates sobre questões de gênero nos mundos da Tecnologia e da Academia que deram origem à PoliGen (Grupo de Estudos de Gênero da Poli-USP).

 

9) Qual a importância da produção de software e conteúdo livre para o desenvolvimento de novas pesquisas e tecnologias?

O desenvolvimento da nossa sociedade se dá de forma cumulativa. O avanço no conhecimento só é possível se pudermos avançar a partir do ponto que outras pessoas chegaram, pois se precisarmos sempre começar do zero, não conseguiremos ir muito além de onde outras pessoas chegaram no tempo de uma vida. Considerando essa premissa, a livre circulação de conhecimentos e tecnologias é necessária e crucial para que novas pesquisas sejam realizadas e vancem na solução de problemas e desafios que estão batendo à nossa porta há algum tempo, como aquecimento global, destino de resíduos e transporte de pessoas e mercadorias.

As políticas e práticas de limitação do acesso aos resultados de pesquisas, sob uma falsa argumentação de valorização destes trabalhos, muitas vezes impede os(as) próprios(as) autores(as) de utilizar suas descobertas. De maneira análoga, a utilização de ferramentas proprietárias para realização de pesquisas também configuram barreiras, visto que outros(as) pesquisadores(as) que queiram contribuir com a pesquisa, ou utilizá-la como base para novas, precisarão necessariamente adquirir tais ferramentas, o que pode encarecer ou inviabilizar essa nova contribuição. Com SL, concentra-se energia, tempo e dinheiro em cada delta de avanço em relação ao estado da arte anterior, comum e acessível. Ademais, a forma de contribuição que não exclui competição, mas insere necessariamente etapas de colaboração, eleva a qualidade técnica do que se produz devido a uma miríade de olhares. Portanto, utilizar e desenvolver software livre é a maneira mais eficiente de alocar os recursos, que sempre são escassos, se tivermos em perspectiva a sociedade como um todo.

 

10) De que formas podemos melhorar o incentivo para o desenvolvimento de softwares e novas tecnologias no país?

Entendo que o primeiro passo seja viabilizar financiamentos para pesquisa e desenvolvimento de softwares e novas tecnologias - sejam fundos públicos de governos, de organizações internacionais sem fins lucrativos ou mesmo de empresas privadas. No Brasil, P&D ainda não faz parte da cultura empresarial, como investimento que valha a pena. E nas universidades, nosso modelo também precisa ser repensado: para ser pesquisador, na maioria das vezes é necessário também ser docente sendo que em vários outros lugares do mundo é possível ser pesquisador(a) sem ser professor(a), inclusive porque são atividades que demandam habilidades diferentes. Ao fazer esse atrelamento e oferecer bolsas de mestrado de cerca de R$1900 e de doutorado de R$2800, cria-se um ambiente com remuneração pouco competitiva com o mercado de trabalho e a academia acaba perdendo muitos talentos.Temos também que considerar um ponto que vem sendo muito discutido na atualidade, que é a necessidade de novos olhares na pesquisa e no desenvolvimento de tecnologias, seja dentro das universidades seja nas empresas. O ser humano naturalmente busca resolver os problemas que ele consegue reconhecer, sendo que estes são, de forma geral, aqueles que lhe afligem diretamente. Por conta disso, as soluções para determinados problemas costuma ser enviesadas, tratando apenas da parte do problema daquele que está propondo a "solução". Isso faz com que uma solução que seja desenvolvida por equipes multidisciplinares e diversas - em termos de raça/cor de pele, gênero, orientação sexual, classe social, etc - seja uma solução muito mais eficiente, eficaz e efetiva. Por fim, outro ponto que podemos melhorar quando se fala em inovação é sermos mais abertos à experimentação e também à possibilidade de erro - desde que controlado e sem dano social ou pessoa, evidentemente. Mas o que ocorre hoje em dia é um desejo em investimento em pesquisa com baixo risco de perda. Porém, menor incerteza e menor risco levam à menos ousadia e menos avanços também. 

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